Tese propõe regulamentação de profissionais do sexo

Assessoria de Imprensa Amatra VI

Estimular a reflexão sobre avanços e retrocessos no mundo do trabalho é um dos alicerces do Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Conamat). Este ano o evento completou 18 edições e reuniu juízes de todo o país, com representantes da 6ª Região, em Salvador, na Bahia, de 27 a 30 de abril, e reforçou seu compromisso com os direitos humanos e sociais.


Foram realizadas palestras, conferências e apresentadas 99 teses, com a aprovação de 58 delas. Um dos trabalhos mais polêmicos foi o da juíza Daniela Muller, da 1ª Região, enfocando a regularização do trabalho dos profissionais do sexo.


Magistrada desde 2001, atualmente titular da 9ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, ela trabalhou como advogada na área de direitos humanos com atuação voltada à proteção de crianças e adolescentes em situação de risco. Confira a entrevista para a Amatra VI:


Como surgiu a ideia dessa tese?


A ideia, originalmente, era suscitar o debate sobre a prostituição e o que normalmente cerca essa atividade. A regulamentação da atividade estabelece claramente que se trata de uma profissão, de um trabalho, através do qual diversos brasileiros garantem o sustento, tal perspectiva muda a imagem desses trabalhadores, que saem da marginalidade e passam a ter acesso à rede protetiva como qualquer outro trabalhador. A ideia é de inclusão social desses profissionais, exatamente para que lhes seja garantida a cidadania e até mesmo a possibilidade de debater abertamente questões específicas da prostituição, o que hoje em dia acaba sendo dificultado por conta da marginalização dos profissionais.


Outra questão muito importante é debatermos a conveniência de se manter o tipo penal previsto no art.229 do Código penal, que criminaliza a exploração da prostituição. Na prática, ele impede o reconhecimento de vínculo com o empresário e a aplicação de normas de saúde e higiene do trabalho já existentes, bem como, a criação de normas específicas para tal atividade.


Acredito, também, que o tipo penal reafirma a invisibilidade social desses trabalhadores, mantendo-os marginalizados, ou seja, ao contrário de proteger, essa criminalização expõe ainda mais esses profissionais a abusos e exploração. Na prática, dificilmente o trabalho sexual é exercido sem, ao menos, a intermediação da mão de obra pelos empresários do setor, que lucram ainda mais com a informalidade, pois sem a regulamentação ficam isentos do recolhimento de impostos e pagamento de garantias trabalhistas, como 13º salário e FGTS.


Apesar da atividade estar incluída no CBO, ainda há dificuldade de inscrição dos trabalhadores perante o INSS, para fins previdenciários, e a criminalização das “casa de tolerancia” impede que se concretize a inclusão dos profissionais do sexo como categoria de trabalhadores, apesar da previsão contida no CBO, código 5198.


A regulamentação do trabalho dos profissionais do sexo encontra orientação em algum outro país?


Os países adotam, em linhas gerais, três sistemas em relação à prostituição: abolicionismo, regulamentarismo e proibicionismo. O Brasil adota o sistema abolicionista, onde, apesar de não criminalizada, a prostituição é vista como atividade a ser abolida, criminalizando-se o empresário (“cafetão”), no intuito de impedir ou dificultar a sua prática. Alguns poucos países criminalizam a prática da prostituição, como, por exemplo, os Estados Unidos.


Entre os países que adotam o sistema regulamentarista, onde a profissão é legalmente reconhecida, o caso mais emblemático é o da Holanda, que possui legislação garantindo o registro dos profissionais e sua inclusão no sistema de Seguridade Social. Contudo, na prática, se observa pouca efetividade da legislação, seja pelo estigma social atrelado à atividade, o que gera vários registros com profissões fictícias, seja pelo significativo número de pessoas em situação irregular atuando nessa atividade, desde menores, passando por estrangeiros ilegais até vítimas do tráfego de pessoas, que ficam fora das garantias legais, mesmo nos países onde há regulamentação da atividade.


A sua tese reforça a importância da regulamentação como forma de garantia da dignidade da pessoa humana. Existiriam outras profissões na mesma condição?


Acredito que a situação dos profissionais do sexo é bastante peculiar, por conta do estigma social que carregam e as diversas questões atreladas à prostituição, em especial a violência contra a mulher, tráfico de pessoas, entre outros.


No caso específico dos profissionais do sexo, a proposta de regulamentação visa exatamente possibilitar que essas pessoas se insiram socialmente, com o reconhecimento de que se trata de trabalhadores que devem estar protegidos pela Legislação Social, assim como os demais profissionais.


A importância dessa regulamentação tem outras repercussões. Quais seriam?


Outro aspecto importante da regulamentação dos profissionais do sexo é o combate à prostituição infantil, pois caracterizado como trabalho, resta ainda mais evidente a ilegalidade da exploração sexual de crianças e adolescentes, uma vez que o art. 403 da CLT veda qualquer trabalho abaixo de 14 anos e só permite que jovens entre 14 e 16 anos autem como aprendizes, o que resta evidentemente incompatível com a prostituição, ainda que legalmente regulamentada.


A sra. pretende trabalhar em algum desdobramento dessa tese?


Faço parte de um grupo de juízas que escreve às quintas-feiras no Justificando (www.justificando.com.br) e pretendemos escrever uma coluna sobre esse assunto, inclusive com a participação da juíza Renata Nóbrega, do TRT da 6ªRegião. Além disso, a AMATRA-1, através das diretorias de Direitos Humanos e Cultural, pretende abordar o tema e suscitar a discussão, em parceria com o MPT.