Dica cultural para pensar sobre o machismo

A dica cultural do mês vem da juíza Luciana Conforti (6a Região),  presidente da Anamatra Confira!


Futebol, machismo e certeza da impunidade

Luciana Paula Conforti

Recentemente vi dois filmes, com qualidade e bastante interessantes, relacionados com casos que tiveram muita repercussão na mídia. As duas obras tratam de violências contra mulheres, crimes praticados por jogadores de futebol com carreiras exitosas e que trazem a repetição de comportamentos ainda muito presentes na nossa sociedade, como o machismo e a certeza da impunidade.

O primeiro, denominado “A Vítima Invisível: o caso de Eliza Samudio”, em exibição na Netflix, conta o envolvimento do goleiro Bruno, do Flamengo, na morte da mulher com quem teve envolvimento amoroso e um filho, o Bruninho. A namorada, grávida, sofria ameaças pelo goleiro famoso e apesar de ter denunciado, não teve qualquer crédito pelas autoridades policiais. Tentou mudar de Estado para poder ter seu filho em paz. Foi atraída pelo pai do seu filho, com falsas promessas e caiu em armadilha que resultou na sua morte, após o nascimento do filho. O corpo de Eliza nunca apareceu. Daí a força da tese da defesa, no sentido de que inexistia prova material. Houve o envolvimento de outras mulheres que se relacionavam com o jogador, de parentes e amigos do mandante, de quem ele detinha alta fidelidade. No início das investigações, o goleiro Bruno demonstrava tranquilidade e fazia coro à família de Eliza para que os fatos fossem esclarecidos com a maior brevidade possível. Posteriormente, a partir de investigação paralela feita por um repórter, que encontrou pertences de Eliza na propriedade de Bruno, os fatos passaram a ser desvendados e o crime virou comoção nacional.

Interessante que, quando ainda estavam ocorrendo as investigações, algumas falas eram no sentido de minimizar as condutas do goleiro, com receio de prejudicá-lo na carreira. Havia, ainda, a desqualificação da vítima, como “garota de programa” ou “Maria chuteira”, o que reforçava a dúvida sobre a culpa do ídolo do futebol. Por outro lado, a mulher acusada de querer obter vantagens de Bruno, trazia o sonho de muitas meninas, de ser goleira de futebol e que foi para São Paulo tentar uma vida melhor. Em resumo, o machismo, ainda muito presente, vitimiza ofensores e culpabiliza vítimas, ainda mais no mundo do futebol, onde os craques exercem certo fascínio entre os fãs e admiradores do esporte. Felizmente os fatos foram sobejamente esclarecidos e Bruno foi condenado como mandante do crime, face às provas robustas que foram produzidas, afastando a certeza da impunidade. Bruno cumpriu pena, teve deferida a progressão de regime para o semiaberto em 2019 e atualmente está em liberdade condicional, desde janeiro de 2023.

O segundo filme, disponível pela Globoplay, conta o “Caso Robinho”. O atleta, com carreira internacional, participou do estupro coletivo de uma mulher albanesa na Itália, na noite do aniversário da vítima, com mais cinco colegas. O que também chama a atenção é o profundo machismo dos envolvidos, além da certeza da impunidade. A vítima conhecia um dos amigos de Robinho. Outro amigo, assim como a vítima, fazia aniversário na mesma data e o grupo foi comemorar em uma casa noturna. A investigação das autoridades italianas foi surpreendente. A partir de “grampo” realizado no veículo do jogador, o modus operandi foi desvendado. O depoimento da vítima, diferentemente do que ocorreu no Brasil com Eliza Samudio, foi seriamente considerado e houve todo o empenho das autoridades para o esclarecimento dos fatos. Pelo que restou provado, não só o atleta praticou as condutas criminosas denunciadas, como já havia se envolvido em outros casos. Os amigos escolhiam uma “presa” em festas ou “baladas”, ofereciam bebida, a moça ficava desacordada ou inconsciente e passava a servir às vontades do grupo. Não havia qualquer preocupação com aquela pessoa. As mulheres eram objetificadas e apenas eram consideradas para divertir os amigos, como um instrumento de prazer daquele grupo, naquele momento, sem qualquer envolvimento ou responsabilização. Robinho foi condenado com outro amigo que também residia na Itália e os demais não chegaram a responder processo, porque já tinham retornado ao Brasil. Robinho está à disposição da Justiça no Presídio de Tremembé, em São Paulo, e o Supremo Tribunal Federal formou maioria, no mês de novembro de 2024, para que o jogador cumpra a sua pena no Brasil. Recomendo os filmes e desejo que os casos sirvam para a evolução da sociedade e para maior conscientização acerca dos estereótipos e violências que vitimam as mulheres todos os dias, no Brasil e no mundo.

 

CRÉDITO DA IMAGEM: FREEPIK