O fragmento do cotidiano de uma família recifense, em uma das mais movimentadas avenidas da cidade – a Conde da Boa Vista –, tendo como protagonista um minúsculo crustáceo que dá título à obra, é um dos textos vencedores do 3º Concurso Literário da Anamatra, na categoria “Crônicas”. O autor é o desembargador Fábio Farias, da 6ª Região, associado da Amatra VI, que conquistou o primeiro lugar e teve seu trabalho publicado em obra eletrônica disponível no site da Associação
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“Tudo o que escrevo tem relação com o meu mundo vivido. Transformo o que vejo em palavras”, diz o autor, explicando que o conto “O Siri” é a exata descrição de um dia na cidade do Recife. “Talvez as pessoas pensem que um ônibus ou as ruas calorentas de uma cidade não sejam lugares para um Desembargador estar, mas eu, Fábio, estava lá. Entrei no ônibus e deparei-me com aquela cena. Creio que estar fora do lugar que frequento seja a melhor forma de começar a escrever. Trazer o tempo e o local vividos para a minha mente e tentar pôr na tela, em tempos antigos seria no papel, os momentos mais importantes da experiência”, conta.
Ele lembra que começou a escrever nos idos de 2013, foi gostando e terminou tornando-se seu único leitor e crítico. Não se assume como escritor – “não no sentido de arriscar-me perante um público mais amplo” –, mas já saiu vencedor do mesmo prêmio, em 2020, com o conto “João Merda”.
“O meu computador é repleto de coisas que são lidas apenas por mim, inclusive um livro, ‘Ângelo’, que trata de um homem a quem foram dadas oportunidades, mas que é vazio”, diz. Fala, ainda, de retomar em breve um outro livro que vai girar em torno do mundo jurídico. Será “Dr. Benedito Washington, o advogado, e Plínio, o anão, estradas diferentes cujas inteligências permitiram o encontro”, antecipa.
Como começar – Para aqueles que gostariam de exercitar a escrita, ele é categórico: o primeiro conselho é escrever. “Em regra os magistrados leem bastante, mas arriscam-se pouco a sair da escrita jurídica. Ouvem o que lhes é contado e transmitem em linhas áridas quando, em muitas das vezes, o que temos são histórias dos próprios protagonistas e essas podem ser reescritas de outras maneiras”, diz.
Partindo da sua própria experiência, o desembargador fala que na literatura é possível aprimorar a escuta, misturar versões, acrescentar algo que um colega contou, talvez até mentir um pouco, exagerar. O resultado pode ser uma crônica, um conto ou um livro. “De certa forma, aproveitar o que a magistratura nos permite, ouvir e ver tantas coisas, deixar de ser juiz para reescrever vidas. Muitas vezes a simples narrativa dos fatos de um processo, contados sem o juridiquês, já é suficiente para iniciar”, completa.
Cultura essencial – O desembargador considera que ações culturais, como o concurso literário, são fundamentais nos mais diversos ambientes de trabalho, incluindo o Judiciário, que, por sua diversidade de pessoal, é um ambiente pulsante para estimular iniciativas como essa.
“Temos pessoas que escrevem, pintam, fotografam, esculpem e que não têm espaço ou não se sentem à vontade para se expressarem”, avalia.
Dicas – Leitor voraz, o magistrado reconhece que são muitos os livros que fazem e fizeram parte de sua vida. “Um dia desses estava numa livraria em Natal (RN) e encontrei o livro ‘Contos Completos’, de Caio Fernando Abreu. Gosto muito dele. Adquiri porque um dos textos eu li quando estava por volta dos 20 anos, ‘Morangos Mofados’ foi muito marcante”, diz.
Também indica o pré-modernista Lima Barreto, para quem quiser conhecer o Brasil de hoje por meio de um cronista do início do Século XX. Sugestão: “Toda Crônica”, organizado por Beatriz Resende e Rachel Valença. Para concluir, lembra o cubano Leonardo Padura Fuentes. “Com sua mania de produzir livros com mais de 400 páginas, me impressiona pela capacidade de pesquisa para escrever literatura”, comenta.
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