Plenos direitos a domésticos começam a valer em 120 dias. Entenda

Correio Braziliense

Mais de dois anos depois da promulgação do projeto de emenda constuticional, em abril de 2013, os trabalhadores domésticos passarão a ter pleno direito a algumas conquistas. Ontem a presidente Dilma Rousseff sancionou a regulamentação de alguns pontos da lei, como o pagamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), do adicional noturno e do seguro contra acidentes de trabalho. Confira o que muda AQUI.


Para evitar desgaste maior com a classe média, a presidente manteve, contra a recomendação da equipe econômica, a redução da alíquota paga ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pelos patrões. De 12%, atualmente, a contribuição previdenciária, passa a ser de 8%, para compensar o pagamento de um adicional de 3,2%, que servirá como uma poupança para pagamento de multa em caso de demissões sem justa causa, conforme aprovado no Senado Federal.


Apenas dois pontos que não alteram os direitos dos trabalhadores domésticos foram vetados por Dilma: o que previa a possibilidade de estender o regime de horas e de descanso para outras categorias, como vigilantes, por considerar que “ao possibilitar a extensão do regime de horas de forma ampla e imprecisa, a outras atividades, o dipositivo trataria de matéria estranha ao objeto do Projeto de Lei”; e o que possibilitava a demissão por justa causa em casos de violação da intimidade do empregador doméstico ou da família.


A regulamentação foi comemorada pela doméstica Luiza Souza*, 30 anos, que há 15 trabalha em casa de família. “A lei é extremamente positiva e necessária para valorizar a profissão. Muita gente ainda tem preconceito com empregada doméstica, por isso foi um assunto que demorou tanto para ser discutido”, avaliou. Na casa onde trabalha há mais de um ano, três vezes por semana, além do salário, só tem direito ao 13º salário e a férias. Muitas vezes, chega às 7h e só vai embora no dia seguinte. Por questão de costume, os pagamentos do adicional noturno e hora extra não entravam nos cálculos dos rendimentos, mas, a partir de agora, pretende negociá-los. “Nunca discutimos isso, porque não era obrigatório, mas a minha patroa já se posicionou, dizendo que acha a lei muito justa. Vamos conversar para fazer as mudanças necessárias”, afirmou.


SEGURANÇA - Para Luiza, a lei será benéfica para trabalhadores e patrões. “Vai trazer segurança para os dois lados. Com a garantia de pagamento de FGTS e seguro-desemprego, ela acha que os trabalhadores não precisarão mais aceitar qualquer trabalho na hora em que são demitidos sem aviso. “Quando se é demitido de surpresa e sem nenhum benefício, a pessoa fica sem opção e aceita qualquer coisa”, explicou.


A doméstica acredita que a segurança se estende aos empregadores. “Com as regras mais claras na hora de contratar, vai ser mais difícil que as domésticas entrem na Justiça contra os patrões por algum mal entendido, o que é comum. Todos ganham com essa lei”, completou. Luiza* não tem dúvidas que, para quem conseguir manter o emprego, como ela, a vida vai melhorar. Mas acredita que essa pode não ser a realidade de muitas colegas de profissão. “Algumas patroas pensam em despedir as empregadas, porque vai ficar mais caro”, emendou.


SIMPLES DOMÉSTICO - Os patrões terão cerca de quatro meses para se adaptar às mudanças nas regras. Dentro de 120 dias, será regulamentado o Simples Doméstico, sistema eletrônico que será lançado pelo governo federal para unificar as inscrições do empregador e a entrada única de dados cadastrais e de informações trabalhistas, previdenciárias e fiscais. O Simples Domésticos permitirá que os patrões paguem todos os tributos relativos aos contratados em uma única guia. Será nesse portal que os empregadores vão inserir os pagamentos dos novos benefícios, como FGTS, seguro contra acidentes de trabalho, INSS e fundo para demissão sem justa causa, além do recolhimento do Imposto de Renda. Em nota, a Receita Federal comunicou que o portal do eSocial – Módulo do Empregador Doméstico – já está disponível na internet e será ajustado com as novas regras previstas na lei.


A simplificação, no entanto, não afasta o temor de especialistas de que haja uma redução de contratações no segmento. Com a regulamentação, o custo médio anual com um empregado que recebe salário mínimo e tem a contribuição previdenciária recolhida, que hoje é de R$ 14.775,83, sofrerá um acréscimo de 6,5%, prevê Marcos Machuca, presidente da Lalabee, empresa de serviços digitais para a gestão de funcionários do setor. “Tenho dúvidas sobre como a notícia será recebida pelos patrões. O que me preocupa é o efeito emocional da nova lei. Culturalmente, muitos brasileiros têm certa resistência em cumprir com obrigações. Por mais que se facilite o pagamento dos direitos trabalhistas, pode acontecer de os empregadores não quererem mais manter o empregado”, avaliou.


Para o presidente do Instituto Doméstica Legal, Mário Avelino, a lei não implicará demissões, mas em estímulo à formalidade e arrecadação ao governo, com a instituição do Programa de Recuperação Previdenciária dos Empregados Domésticos (Redom). “A medida permitirá o refinanciamento da dívida do INSS em até 120 meses, anistiando a Multa por Atraso (20%) e reduzindo 60% dos Juros de Mora. Em cinco anos, o governo vai arrecadar R$ 2 bilhões e 1 milhão de empregados que atuam como diaristas vão passar a trabalhar com carteira assinada”, justificou.


Dados da Pnad Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que existem no país cerca de 6 milhões de domésticos, sendo que apenas 1,9 milhões regularizados.